Há quase duas semanas, assisti de
uma vez a série “13 reasons why” (13 porquês, em português) que aborda o
suicídio de uma jovem após sofrer uma série cíclica de abusos psicológicos
(também conhecidos como ‘bullying’) e físicos durante quase dois anos no
colégio. Assim que acabou o último episódio, minha vontade foi de escrever
sobre e pedir que todos a assistissem. Mas, eram tantos sentimentos
embaralhados, que achei melhor deixar para outro momento.
Logo, surgiram críticas falando
do perigo que a série poderia oferecer. Ao meu olhar, ficou muito claro o
objetivo de toda a produção: mostrar que o suicídio é um ato extremo, para
situações que podem ter saída e que fere profundamente as pessoas que ficam.
Porém, não sou uma pessoa que vivencia esse sentimento, então, não sei de fato
como seria vista por alguém que esteja pensando na possibilidade de tirar a
própria vida. (Sendo assim, sugiro às pessoas que possam ter algum gatilho
emocional acionado que tenham cautela se realmente quiserem assisti-la). Mas, tão
importante quanto a série, são as entrevistas que começam imediatamente após o
último episódio (Tentando entender os porquês). Nelas, diretor, atores,
produtores e profissionais da saúde debatem o assunto e explicam roteiro,
direção e comportamentos dos personagens e dos jovens em geral. Esse sim,
sugiro que todos vejam.
Endossando a necessidade de se discutir o tema, nos últimos
dias surgiu a notícia de que uma brincadeira chamada Baleia Azul, que tem como
objetivo final que o jogador se suicide, vem ganhando adeptos entre os jovens.
E qual não foi a minha surpresa ver comentários do tipo “na minha época, baleia
azul se resolvia no chinelo”. Ou, como quase tudo no Brasil, virando memes. A minha
pergunta é: é difícil perceber que é justamente esse tipo de atitude que faz
com que as estatísticas do suicídio aumentem? Porque é tão difícil levar
doenças mentais à sério e ouvir os diversos pedidos de socorro?
Sim, suicídio é tabu. No
jornalismo, há inclusive um código de ética em que não se divulga as mortes
para não causar o que chamamos de efeito dominó. Porém, não deveria ser tabu
conversar sobre tudo que vem antes do ato final: o bullying, os abusos, a
depressão. Muitos dizem também “quando eu era criança, sofri bullying e nem por
isso morri”. Que bom! Eu também sofri bullying e não morri (hello, queridos,
experimentem ser uma criança negra em colégios particulares. Bem vindo ao
inferno). Mas isso não me dá o direito de invalidar os sentimentos e vivências
de outras pessoas. Na série, a Hannah elenca 13 motivos que a levaram ao
suicídio, porém, para muitas pessoas, apenas um é suficiente e, como eu já disse em outro texto aqui no blog, nunca sabemos quais problemas o outro está enfrentando
na vida.
Um ponto que, para mim, deveria
ser especialmente discutido no nosso dia a dia é o efeito da internet nos
adolescentes e jovens. Porque, meus caros amigos adultos, não fazemos a MINIMA
NOÇÃO do peso do mundo virtual nas vidas dessas novas gerações. Não falo só de
quem é pai e tem filho na idade da rebeldia não. Falo de mim e dos jovens
adultos que ainda viveram a maior parte da vida no mundo analógico. Nós sabemos
o que a internet pode fazer, como pode conectar pessoas e isso e aquilo, mas, nossa
formação ainda aconteceu longe de redes sociais e apps de conversas. O máximo
que poderia acontecer, era alguém entregar nosso segredo no caderno de enquete
e o bullying acabava quando saíamos da escola e chegávamos em casa. Hoje, os
jovens tem em suas telas a extensão de suas vidas e, definitivamente, qualquer
deslize é potencializado, principalmente, se tiver chances de se tornar um
viral, gerar likes ou virar memes, como muitos adultos que se acham legais estão
fazendo com o tal jogo da morte.
Voltando à série, lá, vemos o
quanto essa cultura do escárnio e do silêncio pode ser decisiva na vida de uma
pessoa em formação. Uma fase em que, como afirma a psiquiatra Dra. Rebecca
Hedrick em umas das entrevistas citadas acima, o lobo frontal ainda não está
completamente formado. O que causa, nos adolescentes, a sensação de que tudo o
que acontece durará por toda a vida, não os fazendo enxergar saídas e os levando
a atos impulsivos.
É importante que debatamos sobre
o suicídio, principalmente, quando se tem pesquisas afirmando que a depressão
será a doença mais comum em 2020. É muito importante divulgarmos número de
linhas de ajuda como a do CVV – Centro de Valorização da Vida (disque 141). E é
incrivelmente lindo quando surgem boas ações para anular as más ações, como o
jogo da Baleia Rosa (leia mais aqui). Mas é urgente que passemos a
enxergar o outro com mais cuidado e muito mais amor. Que demos uma pausa na
nossa vida enlouquecida para ouvir um amigo que se queixa e oferecer ajuda. Criarmos
uma corrente que deixe claro que, se nós também precisarmos de alguém para nos
ouvir, encontraremos. Conversar com os jovens sobre essa vivência virtual e não
menosprezar seus sentimentos e problemas. E acabarmos com essa ideia de estúpida
de que profissionais da saúde (psicólogos e psiquiatras) só devem ser
procurados por quem é “louco”. Em um dado momento da série, Hannah sente que
pode reverter sua decisão se receber a ajuda que procura (no caso, ter apoio para
denunciar seu estuprador). Mas vê suas forças se esvaírem ao ter seu sofrimento
relativizado.
Como sempre digo quando falo
sobre o assunto, não dá para culpar alguém por uma outra pessoa ter decidido se
matar. Mas, como sociedade e pela forma com que estamos levando nossas vidas e cultivando
valores tão vazios, de uma certa forma, somos todos culpados. Vamos aproveitar
que sacudiram esse tapete e discutir esse tema entre nossos amigos, familiares,
no trabalho. E tentarmos, sempre, ser parte das razões para viver.
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